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03.02.2012- O valor da Vida
03.02.2012- O valor da Vida

O valor da vida

Era um dia tranquilo no terreiro de Pai Tomás. Seus seguidores, umbandistas, contavam orgulhosos que em décadas de trabalhos com entidades, nunca houve um único trabalho que visasse prejudicar a alguém. Apesar do preconceito de muitos para com sua religião, os umbandistas do terreiro de Pai Tomás estavam tranquilos consigo mesmos, não se preocupavam com a crença e a descrença alheia, e sempre respondiam com sorridelas quando perguntados "se eram macumbeiros": "Faço macumba sim, mas minha macumba é do bem, irmão."

No entanto, após as festividades e oferendas de frutas aos orixás, lá pelo final da tarde, uma picape estacionou na entrada do terreiro - Era daquelas importadas, e com vidro escuro, talvez fosse até blindada, quem sabe? - O fato é que de dentro do carro saltou um homem visivelmente aflito, de olhar frio, bem vestido, e ele "exigia" ver o Pai Tomás o mais breve possível.

Ninguém ofereceu resistência, todos que vinham conversar com Pai Tomás eram atendidos, apesar de que aquela era a primeira vez que alguém chegara de picape importada nas redondezas do terreiro. "Deve ser maluco, graças ao bom Exu não foi assaltado passando por essas bandas" - pensavam os seguidores, na grande maioria bem mais humildes que o sapato lustroso do visitante.

Este, ao finalmente deparar-se com Pai Tomás, disse exaltado:

"Olá, me disseram que o senhor é de confiança, que o trabalho aqui é poderoso mesmo... Posso confirar?"

"Cada um confia no que quer. Mas, já que está aqui, me diga qual é esse trabalho de que precisa, pois pode ser que possa lhe ajudar" - respondeu-lhe o ancião, com um leve sorriso por traz da negra barba branca.

"Eu preciso de trabalho de morte, para matar!" - e retirando a carteira do bolso, preossegiui - "Dinheiro não é problema. Um sujeito me ferrou nos negócios, preciso mata-lo, não vou descansar enquanto não estiver bem morto e enterrado. Que morra de doença ou acidente, se o "exu" não te ajudar, pode matar do jeito tradicional, contanto que ele morra!"

Pai Tomás então analisou o sujeito com seu olhar pacato, olhou fundo em seus olhos, até o ponto de quase assustá-lo e fazê-lo retornar de onde veio, e disse lentamente dentre uma e outra baforda de cachimbo pelo ar:

"Você me parece tão cansado meu filho. Façamos o seguinte: o senhor fica aqui até mais tarde, que lhe daremos banho, colocaremos pote de canjica na cabeça para ver se dá uma limpeza nessa confusão toda aí, daí o senhor dorme, e quando estiver de saída, eu te digo quanto vai custar o trabalho."

Todos acharam estranho Pai Tomás não ter recusado prontamente um trabalho tão sombrio. Sentiam repulsa daquele homem amargurado, obssecado pela morte de outra pessoa, mas mesmo assim seguiram com os banhos e o tratamento... Ao final, o sujeito acabou dormindo por quase duas horas, e quando acordou, se dirigiu ao Pai Tomás sorridente:

"O Pai tinha razão, estou bem mais tranquilo agora, quase fico relaxado em saber que aquele crápula vai pagar pelo que fez. Mas, enfim, quanto é que isso vai custar? Não se preocupe que eu sei que esses "trabalhos" são os olhos da cara, eu sou sujeito rico!"

O ancião, amigo de orixás e entidades de luz, fitou-o brevemente e respondeu:

"O senhor volta para casa e pensa durante a noite: quanto vale a sua vida? Daí assim que tiver esse valor, o da sua vida, o senhor volta e me traz, que vai ser o valor do trabalho."

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