Publicado em 16/05/2011 por atabaque26
Quando se vive numa senzala, perde-se a noção de tempo. O que mudava de um dia para o outro era a crueldade do sol, o resto era sempre tudo igual, pular da rede com o cantar do galo, trabalhar feito doido, e ir dormir quando o sol se escondia no horizonte. A única referência do calendário que tínhamos, era quando as festas católicas aconteciam, e eram sempre preconizadas pelo missionário da vila do comércio.
Ainda estava escuro, quando minha nega me acordou aos trancos para que eu tirasse as sementes da chuva que anunciava cair a qualquer momento. Os relâmpagos eram freqüentes e permitia se ver no alto da colina a casa grande, imponente como que maestrando os rebentos vindo do céu. Protegi as sementes no barraco, voltei para minha rede, e até comentei com minha véia que havia uma energia estranha no ar.
Como de costume ao raiar do sol fomos todos ao campo, uns para a lida do gado, e outros para cuidar da lavoura. Em fila negreira íamos cantando em língua nativa, canções que em suas letras pediam aos Orixás força para viver. O dia transcorria normal, até a chegada do carro de boi trazendo a comida, foi quando o nego Matias falou que não havia movimentação na casa grande e que todos haviam ido para a vila. Isso era realmente muito estranho, pois nunca acontecera algo semelhante no passado. Mais estranho ainda foi que naquele dia pela manhã, ninguém tinha vindo juntar os grilhões na gente.
Já dava para se ver nossa sombra quase inteira, quando aos gritos padre Irineu nos contou que estávamos livres para sempre, a princesa havia libertado todos os negros do cativeiro.
13 de Maio de 1888, todos partiram. Sentado no toco de frente ao celeiro, somente uma luz podia se ver na casa grande, que sem imponência parecia ter perdido a majestade. Abri devagar a porta da varanda e pude ver que o sinhozinho sentado na cadeira de balanço, silencioso, olhava fixo para a lua que brilhava na janela.
- Sinhozinho!!…. ele me olhou sem nada dizer.
- Quero dizer que eu e minha família vamos ficar na fazenda e continuar trabalhando.
Ele deu um sorriso e disse:
- Sendo assim, todas as terras ao redor do seu rancho serão agora suas, e para que possas cuidar do que é seu, terás a metade do dia, sendo que a outra metade irás trabalhar em minhas terras.
Rapidamente a notícia se espalhou e muitos irmãos voltaram para se assentar na fazenda que em pouco tempo se mostrou a mais próspera da região.
Quando se vive numa senzala, perde-se a noção de tempo. O que mudava de um dia para outro era a crueldade do sol, o resto era sempre tudo igual, pular da rede com o cantar do galo, trabalhar feito doido, e ir dormir quando o sol se escondia no horizonte…….. bem…….. isso agora era coisa do passado. Tínhamos dignidade e um pedaço de chão para plantar e cuidar dos filhos. Sentado no toco de frente à minha janela, posso ver as luzes da casa grande. Toda iluminada, parece dona do mundo, e mostra de novo toda sua majestade. Esse foi apenas o começo de uma nova história…….
Adorei as almas!!! Salve Pai João!!!
Por: Wilson de Omulu